O modelo de organização dos mineradores artesanais e de pequena escala de ouro em cooperativas é um dos diferenciais do Brasil em relação aos outros países da América Latina e do mundo, nos quais predomina o trabalho individual por conta própria dos mineradores.
A organização em cooperativas, além de otimizar o trabalho gerando maiores ganhos para os cooperados, permite o acesso a equipamentos e assistência técnica e jurídica que de outro modo estariam inacessíveis aos garimpeiros. A orientação técnica especializada do início ao fim do processo de mineração de uma área é causa de avanços em diversas áreas da gestão da exploração mineral, principalmente em segurança e saúde do trabalhador e responsabilidade ambiental, contribuindo para a melhoria dos indicadores socioeconômicos das municipalidades.
Por exemplo, em 2022, apenas as cooperativas filiadas à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) produziram 14 toneladas de ouro e movimentaram R$ 4,1 bilhões, gerando R$ 53 milhões em royalties (CFEM) para os cofres públicos. E esta é somente uma pequena amostra do potencial econômico do setor de mineração de pequena escala, porque grande parte dos mineradores ainda não estão organizados e a maioria das cooperativas minerais ainda não são associadas ao sistema de representação do cooperativismo.
A filiação à OCB é um indicador de maturidade organizacional de uma cooperativa, que ultrapassa o momento inicial de preocupação exclusiva com seu próprio negócio e atinge o estágio de busca de uma maior capacitação técnica e uma maior integração com suas congêneres para construção de soluções setoriais. 66 cooperativas minerais são atualmente filiadas à OCB (a maior parte delas dedicadas ao garimpo de ouro), representando mais de 66 mil mineradores.
PNUMA visita COOGAVEPE, maior cooperativa de garimpeiros do Brasil
De acordo com a Avaliação Global de Mercúrio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o setor de mineração artesanal e de pequena escala de ouro é a maior fonte de emissões antropogênicas de mercúrio, com 53% dessas emissões originárias da região da América Latina e Caribe.
No entanto, com o suporte adequado – incluindo a eliminação do uso de mercúrio e garantindo práticas socialmente responsáveis que podem ser formalizadas dentro do arcabouço legal de um país, o setor ASGM é reconhecido globalmente como uma importante fonte de subsistência para comunidades locais e rurais. Respondendo às suas obrigações sob a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, o Brasil está atualmente trabalhando para o desenvolvimento do seu Plano de Ação Nacional, que fornecerá o roteiro do país para a transformação do setor e estratégias para mitigar os riscos e impactos decorrentes do uso de mercúrio.
Em visita ao estado de Mato Grosso, no mês de outubro, os membros do PNUMA conheceram a Cooperativa do Vale do Rio Peixoto (COOGAVEPE), localizada no norte do estado. Ela é a maior cooperativa de garimpeiros do país, atuando em oito municípios e contando com cerca de 7 mil cooperados. No ano passado, a COOGAVEPE arrecadou 30 milhões em Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e Imposto sobre Operações Financeiras do Ouro (IOF).
Malgorzata Stylo, Oficial de Programa do PNUMA elogiou a COOGAVEPE por ser um modelo exemplar de organização do setor, enfatizando suas contribuições para deixar de utilizar o mercúrio no setor ASGM. “Com todos os esforços que vimos, como redução do uso de mercúrio, restauração de terras pós-mineração, apoio técnico e jurídico fornecido aos membros da cooperativa e investimento em pesquisa e desenvolvimento de alternativas locais livres de mercúrio, a COOGAVEPE é um exemplo de organização ASGM progressiva que poderia ser promovida em níveis local, regional e global”, declarou Stylo.
Práticas inovadoras: abrindo caminho para a mineração sustentável
Trabalhando com mineradores desde a pequena escala até o nível industrial, as áreas garimpadas que pertencem à cooperativa respeitam os modelos de negócios preexistentes e exploram os bens minerais compatíveis com a sua escala de produção. Esta abordagem garante harmonia entre pequenos garimpeiros e mineradoras de médio e grande porte.
Um aspecto chave das operações da COOGAVEPE é o uso de mercúrio em circuito fechado, reduzindo significativamente a liberação ambiental e os potenciais riscos de contaminação da natureza e das pessoas.
A cooperativa também desenvolveu expertise e competência técnica para o processo de abertura e fechamento de cavas. Durante a fase de escavação, a camada de solo fértil é armazenada para ser recomposta na etapa de fechamento. Assim, no fim do processo de extração, a área mantém sua fertilidade e volta a ser utilizada para a prática da atividade econômica anterior, como plantio de soja ou pecuária, fortalecendo a economia local. Alternativamente as áreas podem ser reflorestadas, com mudas fornecidas gratuitamente pelo viveiro da cooperativa.
Ramón Jiménez, gerente de projeto da UNEP descreveu a COOGAVEPE como uma organização modelo, potencialmente adaptável a outros setores de mineração em todo o mundo. “É cativante observar a transição entre a abertura do campo para extração de ouro e seu retorno à atividade econômica anterior, uma prática que vai além da imposição de métodos, mas baseada no diálogo, na ciência e no conhecimento de especialistas e técnicos. Isso é o que me cativou profundamente. Considero isso um exemplo notável de como conduzir o ciclo de um processo industrial de maneira sólida, especialmente no contexto da mineração artesanal de ouro em pequena escala”, afirmou.
O engenheiro de minas da COOGAVEPE, Matheus Lopes, que acompanhou a equipe nas visitas, ressaltou a importância do projeto Ouro sem Mercúrio para o setor. “O projeto Ouro Sem Mercúrio é bastante ousado, e nós que estamos na ponta e atuamos diretamente na mineração ficamos muito felizes em ver esse projeto se desenrolando. Acredito que somando esforços da academia, da indústria e do poder público como um todo a gente consiga com um bom Plano de Ação Nacional para atingir essa meta de reduzir e, se possível, eliminar o mercúrio da mineração artesanal e em pequena escala de ouro”.
Em busca de alternativas ao mercúrio
Em um esforço pioneiro, um consórcio de instituições que inclui as Embrapas Florestas e Agrosilvipastoril, pela Universidade de Campinas (UNICAMP), a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a COOGAVEPE, trabalham em um estudo para testar a efetividade de quatro bioextratos produzidos a partir de uma árvore nativa da Amazônia, conhecida como Pau de Balsa (cientificamente chamada de Ochroma pyramidale).
A planta já é utilizada de forma artesanal em outros países, como na região de Chocó, na Colômbia, e o objetivo dos pesquisadores é encontrar uma metodologia que funcione em escala e seja competitiva com o mercúrio em termos de preço e facilidade de uso.
Uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, Marina Morales, da Embrapa Florestas, explica que caso a viabilidade do extrato seja confirmada, ao sair da fase laboratorial, o processo precisa ser feito na frente de cada um dos mineradores que pretendem usar a tecnologia para promover transparência e confiança. Nesse processo, a pesquisa enfrenta dois desafios extras: tempo e financiamento. Os recursos dedicados à pesquisa cobrirão um processo inicial, porém, ainda existem muitos elementos que merecem estudo e precisam ser considerados para garantir o sucesso na substituição do mercúrio.
“Ainda precisamos criar uma logística para a produção do Pau de Balsa e biousinas para o processamento do extrato”, explica Marina. “A lógica das biousinas é criar sistemas autônomos nos locais onde ocorre a mineração e fortalecer um ciclo de cultivo da planta e processamento, o que também cria outros empregos e viabiliza economicamente a tecnologia. Um dos desafios é completar esse circuito e tornar economicamente viável o bioextrato de madeira balsa”.
Talvez o Brasil esteja dando os primeiros passos para solucionar o problema da contaminação por mercúrio por meio de uma alternativa eficiente e verde, fruto do cooperativismo e da colaboração entre garimpeiros e pesquisadores em um raro exemplo de pesquisa e desenvolvimento financiado por setor econômico de pequena escala.