Mais de 300 pessoas interessadas compareceram na Câmara de Vereadores de Manicoré para participar da oficina “o futuro do garimpo e as possibilidades de exercer a atividade sem o uso de mercúrio” promovida pelo Projeto Ouro Sem Mercúrio, realizada no último dia 18 de setembro. Garimpeiros de diversas localidades debateram os caminhos para garantir o exercício da atividade de forma responsável e ambientalmente sustentável e assegurar a preservação da renda e do meio de vida de suas famílias e comunidades.
Além de um número muito expressivo de mineradores, o encontro contou com a participação de autoridades, como o prefeito de Manicoré, Lúcio Flávio do Rosário e seu vice, Paulo Sérgio Machado Barbosa, o Presidente da câmara de vereadores, Neuton Cabral Neto, o prefeito de Humaitá, José Sidney Lobo do Nascimento, a prefeita de Novo Aripuanã, Jociane dos Santos Souza, além de representantes de Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O coordenador das atividades de campo do Projeto Ouro Sem Mercúrio, Carlos Henrique Araújo Xavier, destacou a dedicação dos participantes, muitos dos quais viajaram longas distâncias, enfrentando desafios financeiros e logísticos. A presença significativa de garimpeiros de Borba, Nova Aripuanã e Humaitá mostrou o forte compromisso com a busca de soluções para os problemas enfrentados no setor.
“A participação massiva dos garimpeiros nessa oficina mostra que há um interesse muito grande do setor em ter informações sobre o que está acontecendo. As pessoas vieram de tão longe para entender melhor o projeto, os desafios que enfrentamos e como podemos superar a questão do mercúrio”, ressaltou Xavier.
A oficina realizada pelo Projeto Ouro Sem Mercúrio em Manicoré, com apoio do projeto Ochroma, trouxe à tona a complexidade dos desafios dos garimpeiros na região amazônica e a ampla participação da comunidade aliada ao engajamento das lideranças locais demonstram a urgência de encontrar soluções que permitam a coexistência do garimpo com a preservação ambiental, e possam contribuir para a pacificação social e prosperidade dos Municípios.
O desafio do mercúrio começa pela necessidade de informar melhor
Um dos principais pontos discutidos na oficina foi o tópico central do projeto: o uso do mercúrio no garimpo, suas consequências para a saúde e o meio ambiente e os possíveis caminhos para eliminá-lo.
Apesar da quase totalidade dos presentes reconhecerem os riscos inerentes ao uso de mercúrio, vários participantes expressaram pontos de vista contrastantes sobre o mercúrio.
A grande maioria identifica o mercúrio como causa de danos à saúde a natureza e o coloca como um fator determinante que dificulta a regularização do garimpo no Rio Madeira, como exemplifica a fala de um dos garimpeiros que afirmou: “O mercúrio é um grande obstáculo para a regularização da atividade. Ele é reconhecido como um grande vilão. Existem pessoas responsáveis no trabalho e outros irresponsáveis. O mercúrio causa prejuízos à saúde.”
Por outro lado, um número significativo de presentes que se manifestaram é cético quanto a extensão dos danos causados pelo metal tóxico, acreditando que grande parte do que se afirma seja apenas uma forma de prejudicar o seu trabalho, como evidenciam as palavras de uma garimpeira: “eu acredito que o mercúrio seja um empecilho que o governo coloca para impedir que a gente trabalhe na legalidade. A gente sabe que ele não é esse vilão.”
Para o Coordenadora de Comunicação do Projeto, Ébida Santos, “esse contraste de entendimentos mostra que existe uma falha de comunicação. Se 20% dos garimpeiros participantes da oficina acredita que o mercúrio não apresenta a toxicidade e os efeitos negativos para o ambiente e a saúde humana que dezenas de estudos comprovam, é porque esta informação não chegou de forma adequada a essas comunidades. Há também um clima de desconfiança em relação às autoridades públicas que reforça essa lacuna de comunicação. Em um caso como este, o envolvimento da comunidade é essencial, bem como a estratégia de informação não pode ficar limitada a afirmação do fato, mas deve prever a demonstração de que o mercúrio efetivamente está prejudicando as pessoas e o ecossistema”.
O aspecto positivo é que muitos garimpeiros estão convencidos de que é possível eliminar o uso do mercúrio ou pelo menos usá-lo com maior responsabilidade. Por exemplo, um garimpeiro observou: “Já fui para o Peru e vi que tem tecnologias que podem substituir o uso do mercúrio, como a bacia ciclone. Se o mercúrio é o vilão, dá para tirá-lo de cena e regularizar a situação.”
Desafios legais e ausência de disponibilidade de alternativas sustentáveis – a dura realidade da falta de opções
A reunião também abordou os desafios legais enfrentados pelos garimpeiros, muitos deles atualmente impossibilitados de trabalhar devido a determinações judiciais ou problemas legais.
As autoridades presentes definiram bem o contexto vigente na região, iniciando pelo Presidente da Câmara de Manicoré, que destacou a dificuldade de apoiar o garimpo devido ao estigma associado à atividade, mas ressaltou a importância dela para a sobrevivência das pessoas.
Luiz Gonzaga, representante dos garimpeiros, expressou a frustração com a perseguição das instituições, enfatizando a necessidade de apoio ao setor.
Por sua vez, o Prefeito de Manicoré e outros líderes municipais também enfatizaram a importância de regularizar o garimpo para impulsionar a economia local e combater problemas ambientais.
Mas é no momento do compartilhamento de realidades, desafios e esperanças é que os aspectos mais preocupantes da questão vêm à tona. Falando da importância do garimpo para sustentar sua família, uma garimpeira resumiu a realidade das famílias:
“Meus filhos dependem disso para continuar seus estudos, pois não consigo sustentar eles com o Bolsa Família e o país não tem condições de empregar todas as famílias que precisam desse trabalho. Lamento dizer vocês não conhecem a nossa realidade. Nós não somos criminosas, apenas trabalhamos para dar o pão aos nossos filhos.”
Outro garimpeiro explicou as dificuldades enfrentadas devido à falta de terras estáveis para agricultura e fez duras indagações.
“Não tenho terra para plantar, que eu possa me sustentar. Nós mineradores moramos na várzea, na beira do rio, a qual todos os anos vai ao fundo, a água lava a terra. Como vamos viver de plantio nesse período? Nós tiramos nosso sustento do minério. Como nós moradores de várzea vamos viver se alaga a terra, não tem terra para trabalhar?”
O Projeto continua
O debate sobre o mercúrio no garimpo continua, com a busca por soluções sustentáveis que garantam a subsistência dos garimpeiros e, ao mesmo tempo, preservem o ecossistema da Amazônia. Discussões como as de Manicoré destacam a necessidade de um diálogo construtivo e a união de esforços de todas as partes interessadas para encontrar um caminho que beneficie a comunidade, o meio ambiente e a economia local.